Nova fraude em bomba de gasolina é difícil de notar; frentistas dão dicas contra golpes

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O caso recente de um cliente que foi vítima de fraude é lembrado por dois frentistas que trabalham na marginal Tietê, em São Paulo, como exemplo da facilidade para enganar o consumidor. Wallace Alan e Jefferson Silva são funcionários de um posto atualmente sem bandeira, próximo à ponte da Casa Verde (zona norte da capital), e contam o que viram há cerca de uma semana.

“O motorista chegou aqui e pediu para pôr R$ 50 em etanol. Só que ele tinha acabado de colocar R$ 70 em outro posto, que fica bem pertinho”, diz Alan, 23. “Ele quase encheu o tanque lá, mas desconfiou que abasteceram com menos combustível do que pagou, e aí pediu para eu completar.”

Como o tanque do carro era pequeno, em torno de 45 litros –ou R$ 90– seria o máximo da capacidade.

“Eu disse para ele: não vai caber mais R$ 50, o tanque deve estar quase cheio”, afirma Alan.

Mas o cliente estava certo. O posto anterior havia cobrado por uma quantidade e entregado bem menos.

“Se quiser, o funcionário consegue ser desonesto [sem que percebam]”, diz Silva, 23. “Por isso, a gente sempre pede para o motorista descer do carro e acompanhar o que está acontecendo na bomba, do nosso lado. Assim a gente evita problema também.”

A reportagem do UOL conversou com frentistas em seis postos de combustíveis no centro, na zona norte e na zona oeste de São Paulo sobre um tipo de engodo difícil de perceber e que está cada vez mais comum: a fraude tecnológica.

O golpe funciona assim: com um chip instalado dentro da bomba, é possível interferir no funcionamento da placa eletrônica e alterar a contagem que aparece no visor. O comando é feito à distância, por controle remoto ou aplicativo de celular. Ao comprar 20 litros, por exemplo, o cliente recebe apenas 18 litros, sem notar que foi ludibriado.

De acordo com informações do Ipem-SP (Instituto de Pesos e Medidas), entre agosto de 2016 e maio de 2017, 55 postos no Estado foram flagrados nesse tipo de infração –45 na capital e 10 no interior. A fiscalização não identificou um padrão comum aos estabelecimentos com bombas adulteradas, então é preciso desconfiar de qualquer um.

O superintendente do órgão fiscalizador, Guaracy Fontes Monteiro Filho, explica que, na média, o motorista é lesado facilmente porque é quase impossível reparar na diferença de volume.

Nós estamos constatando de 10% a 12% de fraude em cima do consumidor. De 20 litros abastecidos, ele perde 2 litros. De 40 litros, ele perde 4 ou 5 litros, mais ou menos

Guaracy Fontes Monteiro Filho, superintendente do Ipem-SP

Monteiro diz que, para mexer na bomba, além de violar o lacre de segurança colocado pelos fiscais, é preciso entender de tecnologia e de como o equipamento funciona. Por isso a suspeita é que uma quadrilha especializada esteja oferecendo o serviço aos donos de postos. Não somente em São Paulo, como também em outros Estados pelo país.

De acordo com Monteiro Filho, um posto de porte médio em São Paulo vende, por mês, em torno de 300 mil litros de combustíveis. Se deixar de entregar de 10% a 12% disso, abocanha R$ 100 mil por mês.

Geralmente, ele conclui, funcionários de confiança estão envolvidos no esquema, pois alguém no local fica encarregado de acionar ou desligar o mecanismo que regula a quantidade de combustível. A seguir, veja algumas dicas para tentar evitar o golpe.

* Duvide de preços muito abaixo da média

Esta é a dica do Ipem-SP para evitar cair no golpe. Promoções muito atraentes podem funcionar de isca. Nos postos visitados pela reportagem, o preço do litro do etanol variava entre R$ 1,95 e R$ 2,07; o da gasolina comum, entre R$, 2,95 e R$ 3,17.

* Fique atento ao visor da bomba

Para o frentista Jefferson Silva, pode parecer bobagem, mas é importante acompanhar a quantidade e o valor que a bomba está indicando. “Se o marcador de combustível, no painel do carro, estiver funcionando direito, você consegue ter uma ideia de quantos litros foram colocados e de quanto ainda falta.”

* Saiba qual é a autonomia do seu veículo

Outra dica para evitar cair em golpe é conhecer a autonomia do carro, ou seja, a média de quilômetros rodados por litro de combustível. Desta forma, observando a distância já percorrida, dá para fazer a conta de quantos litros foram consumidos e, portanto, quantos faltam para encher o tanque.

É importante saber o volume total do tanque, já que o número muda conforme o modelo do carro e o fabricante.

* Verifique se a bomba funciona direito

Todo posto de combustível deve ter à disposição do cliente um balde aferidor: trata-se de um galão de metal graduado e inspecionado pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia) que pode ser usado para medir se está correta a quantidade que sai da bomba.

O motorista pode pedir para fazer o teste: o frentista coloca 20 litros de combustível neste galão e a marca deve bater com o número de litros.

* Abasteça sempre no mesmo posto

“Passe em frente e veja como está o movimento”, diz o frentista Oseias Lopes, 37, que trabalha há dois anos em um posto no bairro do Limão (zona norte).

* Abasteça em um posto bem movimentado

“Se estiver sempre cheio, pode ser sinal de que tem confiança, ética com o cliente”, opina o frentista Oseias Lopes.

Assim como os outros frentistas ouvidos pela reportagem, Lopes afirma que já soube de fraudes com chip na bomba, mas que nunca viu de perto nem participou de adulterações no equipamento.

“Se você achar um posto em que confia, continue com ele”, sugere.

* Em caso de suspeita, denuncie

Para denunciar irregularidades como lacre da bomba adulterado ou quebrado, fraude na quantidade entregue ao cliente e mau funcionamento da bomba, o consumidor deve ligar para 0800 013 0522 (ligação gratuita).

A ANP (Agência Nacional de Petróleo) recebe ligações gratuitas no número 0800 970 0267 para denúncias sobre adulteração de combustível.

Sofisticação quase invisível

O Estado de São Paulo tem cerca de 9.000 postos de combustíveis. Em muitos casos, é por meio de denúncias que a fiscalização chega aos criminosos.

Por conta da sofisticação na fraude tecnológica, a adulteração da bomba só é notada quando ela é aberta e vasculhada minuciosamente, um trabalho que pode levar até uma hora por equipamento.

“Na fiscalização de rotina, o Ipem não pega esse tipo de fraude. Tem que abrir a bomba, deslacrar, olhar para ver se encontra o chip. Porque, geralmente, quando o fiscal chega ao posto, a fraude já está desligada”, afirma o superintendente Monteiro.

Até um ano atrás, de todas as denúncias feitas ao Ipem-SP que levavam à fiscalização da bomba, entre 7% e 8% resultavam em constatação de crime.

A partir do segundo semestre de 2016, com o aumento do rigor nas operações para esse tipo de desvio de combustível, o acerto fica entre 15% e 20% das denúncias.

O Estado de São Paulo é o que mais registra esse tipo de fraude no país, mas é também o que possui mais capacidade de identificar a instalação de chips nas bombas. Um laboratório de treinamento foi criado no Ipem paulista para preparar fiscais de outros lugares.

Uma lei estadual de maio deste ano determina a cassação da inscrição no ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) do posto que for flagrado adulterando o volume do produto. Os donos do estabelecimento, pessoas físicas ou jurídicas, ficam impedidos de trabalhar no mesmo ramo de atividade, mesmo que em outro endereço, pelo prazo de cinco anos.

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“Separar o joio do trigo”

A Fecombustíveis (Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes), que representa 34 sindicatos ligados a 41 mil postos de combustíveis no país, diz que os “maus empresários” envolvidos em fraudes são minoria e representam, na realidade, uma concorrência desleal neste mercado.

O presidente da entidade, Paulo Miranda Soares, afirma que punições mais rigorosas para os casos de adulteração de quantidade, como prevê a recente lei paulista, podem ajudar a inibir crimes desse tipo.

“Nós achamos que a nova lei será muito eficiente para isso, mas ela vai depender da disposição das autoridades. Se não fiscaliza, não adianta nada. Tem que ter uma fiscalização mais assídua dos órgãos responsáveis, para aí separar o joio do trigo”, diz.

De acordo com Soares, as bombas fraudadas atingem 1% do mercado nacional –com 160 mil equipamentos em operação–, enquanto as irregularidades em geral representam 3% desse total, o que ele considera um índice “tolerável”.

Equipamentos menos suscetíveis a manipulações são uma aposta para reduzir problemas como sonegação fiscal e adulteração do produto e da quantidade vendida.

O setor mantém conversas com duas das principais fabricantes de bombas de combustíveis: a norte-americana Wayne, que tem uma unidade no Rio de Janeiro, e a Gilbarco Veeder-Root, com fábrica em São Paulo. A ideia, segundo Soares, é desenvolver bombas com “caixa-preta”, registrando tudo o que acontece no equipamento, sempre com auxílio do Inmetro, para 2018.

“Nesta crise que o país está vivendo, nós percebemos um aumento desse tipo de fraude. É um tipo de fraude mais difícil de pegar, mas, na hora em que você pega, você tem mais provas, ilícitos comprovados”, avalia.

Alta na reprovação das bombas

No Estado de São Paulo, as fraudes ocorrem com mais frequência na capital e em sua região metropolitana, segundo informações do Ipem-SP.

Nos últimos dois anos, o número de postos fiscalizados na cidade teve uma leve redução, passando de 2.360 por ano, em média, entre 2011 e 2014, para 2.144 postos em 2015 e 2.009 postos em 2016.

A quantidade de bombas verificadas, no entanto, aumentou, chegando a quase 28 mil unidades no ano passado. Eram 25 mil em 2011.

Já a proporção de equipamentos reprovados entre todas as bombas verificadas, que vinha caindo ano a ano –de 5,86% em 2011 para 3,09% em 2015–, voltou a subir em 2016, quando 4,5% das bombas avaliadas foram reprovadas.

Em 2017, entre janeiro e maio, foram fiscalizados 1.224 postos, com reprovação de 5,6% das 17.450 bombas verificadas.

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